domingo, 21 de agosto de 2011

O PROJETO HUMANÍSTICO NO PENSAMENTO DE SÃO JOSÉ MARELLO:

CONTRIBUIÇÕES AO CENÁRIO ATUAL
Renê da Silva Barbosa – Educador e Coordenador do Cursinho Preparatório para o ENEM pela Rede Emancipa


A tendência da sociedade atual é ter modelos superficiais que são assumidos interna e exteriormente por várias idades: crianças, adolescentes, jovens, adultos, idosos. Já temos a crise de sentido à vida, hoje também temos a crise de referenciais em meio à pluralidade espetacular efêmera, mas podemos ainda resgatar a vida e o pensamento de pessoas nas quais contribuíram por outro tipo de ambiente societário. Para tanto, queremos indicar  um referencial significativo: São José Marello (1844-1895), fundador da Congregação dos Oblatos de São José. A dimensão do amar, do conhecer e do cumprir a doutrina de Cristo, na qual expressou Marello, é um projeto de vida com base nos ensinamentos de Cristo para viver a vida com sentido, diferente da proposta do capitalismo, que ama uma parte do ser humano, a mão-de-obra em que ele a produz.
O termo “projeto” em seu sentido etimológico vem do latim projectus, literalmente significa algo que é lançado para diante. De fato, esse termo traz a ideia de uma realidade na qual queremos alcançar no futuro, ou seja, o projeto prepara a realização da ação projetada em caráter pessoal, coletivo, educacional, religioso, etc. Em outros termos, a pessoa humana se realiza ao ter um projeto de vida em que a sua dimensão de abertura lança suas esperanças para um novo tempo. E aqui o projeto de São José Marello, seja em relação à educação, aos jovens, aos pobres, às comunidades, tem proximidade com o projeto que Jesus anunciava (cf. Mt 4,17; Lc 4,18), e que era a vontade de Deus (cf. Jo 4,34; 5,30; 6,38). Por esta razão, vamos analisar-lhes as três dimensões do pensamento marelliano a partir da ótica bíblica.
            A primeira via é a do amor (ágape), mas não entendido como um amor sentimental, vulgar, módico (pequeno) que encontramos na sociedade, nas novelas – as quais influenciam com muita facilidade a vida das pessoas. O amor é, antes de tudo, a realização total do ser humano; o amor é transfiguração no sentido de entrega ao outro porque a realização do amor se dá para com o outro. Em termos bíblicos, significa fazer uma experiência abraâmica: ir de encontro às outras realidades, estabelecendo uma relação de aliança, de amor recíproco com o diferente e, esta é a proposta central de Cristo, o amor ao outro. Além disso para fortalecer o amor ao próximo, é necessário ter o amor a Deus como fundamento da salvação, pois o amor autêntico a Deus nasce pelos atos concretos ao outro e, a outra forma em que o amor se revela é pela observância dos mandamentos (cf. Jo 14,15; 14,21; 15,10; 1Jo 2,4s). Nessa via, São João afirma claramente: “não amemos com palavras nem com a língua, mas com ações e em verdade” (1Jo 3,18).      
            Se Deus é amor, como afirma São João (cf. 1Jo 4,7-8), não podemos fazer de Deus um objeto como o amor humano faz com as pessoas a ponto de aprisionar sua experiência do amor a Deus. Ele é que capacita a nossa liberdade condicionada para o amor (cf. 2Cor 3,6; Rm 8,2; Gl 5,1-13), em direção ao outro, sendo capaz de ser gratuitos e gratuitas no ato de doar seu potencial para uma vida mais humana. De fato, como seres oblativos, a perspectiva oblativa, de oferecer, se expressa quando nos entregamos ao outro que visa sua própria libertação pessoal como oferta salvífica (salvação), mesmo tendo algum risco nesta doação total ao mistério do diferente. Assim, o amor do ponto de vista cristão é necessária e simultaneamente amor a Deus e ao próximo, o qual não se restringe só no mandamento do amor, mas trata-se a respeito também do nosso comportamento para com o semelhante, porque esta atitude será decisiva para a salvação, pelo fato de identificação de Deus com ele (cf. Mt 25, 34-46).
A segunda via é a do conhecer que a partir do ponto de vista bíblico é experimentar. Ao dizermos que “Sara conheceu Abraão”, não é tanto no sentido de um ser apresentado ao outro, significa fazer uma experiência da pessoa, tocá-la física e subjetivamente, amá-la. Mas aqui vamos abordar o conhecer na ótica de leitura da Bíblia utilizado nas CEBs (Comunidades Eclesiais de Base): leem e interpretam a Sagrada Escritura para iluminar a realidade, pois colocam os fatos da história, do momento presente, frente a frente com as passagens bíblicas como fonte de reflexão teológica. O caráter de conhecer o projeto de Deus pelo texto bíblico, supõe assumir o compromisso com o Cristo e, construir comunidades transformadoras em que se voltam para a nova sociedade à luz do projeto libertador que a Sagrada Escritura oferece: “uma terra fértil e espaçosa, terra onde corre leite e mel” (Ex 3,8).
Pelo conhecer e refletir o texto bíblico, estas vias ajudam as CEBs a verem que ação transformadora de Deus se dirige ao povo oprimido e, ensinam a viver em comunhão com todos na intenção de desenvolver uma fé libertadora. A leitura da Palavra de Deus – inspirados pelo método Ver-Julgar-Agir – em que as CEBs utilizam pela meditação participativa, contextualizada e crítica é com a intenção de promover cidadãos autônomos na sua libertação. Em suma, hoje é preciso saber e conhecer, mas também fazer, praticar e, experimentar o sabor conjugado com a fé cristã que pouco a pouco fortalece o intelectual cristão, como membro participante, a ter mais responsabilidade de escuta, diálogo, respeito para que saiba discernir sobre a informação que os meios de comunicação transmitem diariamente com sua força ideológica.
A terceira via é a do cumprir a proposta de Cristo aqui e agora neste mundo, não é um projeto distante da nossa realidade, identifica-se praticamente com o Reino de Deus que Jesus anunciava em sua missão salvífica (cf. Mc 1,15). O Reino dos céus (cf. Mt 4,17) exprime uma experiência histórica de fé e de salvação da humanidade, assim, não é entendida como uma dimensão celestial durante a qual se contrapõe à terra. Esta experiência, segundo apresenta o texto bíblico em Êxodo 15,18, aconteceu na libertação do povo escolhido das mãos dos egípcios. A pregação de Jesus sobre o Reino de Deus apresenta o reino já presente ligado a sua pessoa (cf. Lc 4,21; Mt 11,5), e não tem a ideia do juízo (cf. Mt 3,10-12), porém a do amor, do perdão e da misericórdia (cf. Lc 6,36).
O Reino emerge voltado para a pessoa humana e, o discurso inaugural de Jesus sobre as bem-aventuranças diz respeito ao Deus que ama o ser humano sem impor condições; que ama os necessitados; e, está aberto aos pecadores. As bem-aventuranças implicam ainda a sua dimensão de salvação, ou seja, a salvação começa no ato de fazer a experiência do reino, libertando-se das injustiças em que oprimem o homem e a mulher. Em suma, a vida concreta de Jesus é explicitada pelo seu comportamento, pelas palavras e ações e, por sua pregação; sobretudo, na sua atitude de orientar, agir e viver o amor aos seus semelhantes, mesmo sendo doentes, leprosos, pecadores e publicanos (cf. Mt 11,19; Lc 15;2; Mc 2,14-17), ou com seus inimigos, saduceus e fariseus. E Jesus vai mais além ao dar preferência aos mais afastados do Reino de Deus: os pobres e os pecadores, as quais suscitaram reações (Lc 7,34; Mt 11,19), mas não deixa de assumir o projeto de Deus.
Assim sendo, as dimensões do amar, do conhecer e do ato de cumprir a doutrina de Cristo em São José Marello, poder-se-iam contribuir na sociedade no sentido de orientar a vida do homem e da mulher novos, na medida em que ambos assumem o compromisso fraterno de cuidar um do outro seja no dia a dia, na vida profissional, nos trabalhos pastorais, no âmbito familiar, social e político. Este compromisso cristão se fortalece ainda mais com a oração; ela é o momento de tematizar a nossa autenticidade com o Deus que nos ama incondicionalmente. Nesse horizonte, o pensamento marelliano na qual refletimos traz uma expressão contínua de atualizarmos a vida em Cristo, de assumir a luta pela cidadania de todos, superando o mercado capitalista a qual desperta o trabalho alienado para as pessoas e, assim faz com que elas esqueçam de lutar pelo projeto de Deus. Mas, atualmente é preciso ter também um cuidado com a Terra, isto é, ter uma atitude ecológica,  pelo contrário, morreremos todos juntos pelo excesso de consumo não-consciente e de não-preocupação para com a Mãe Terra.